sexta-feira, 3 de junho de 2016

CIÚME: ESSA INEGÁVEL DOENÇA DA ALMA

Por Warwick Mota
“Você já sentiu ciúme?...”

Diante dessa pergunta tão peculiar, forçoso é-nos reconhecer que, sim, todos nós, em algum momento das nossas vidas, já fomos tomados, em maior ou menor grau e intensidade, por esse sentimento, tão corrosivo quão doloroso: os ciúmes...

Emoção de caráter extremamente potente e explosiva, típica da condição de almas em pleno atraso evolutivo, o ciúme é externado de diversas maneiras. Em regra, apresenta-se na forma de extremado sentimento de posse, ou de forte desejo de exclusividade, na ilusória suposição de se manter uma pessoa ou algo junto a si.
Na verdade, o pior ciúme é mesmo o que tem por alvo outra pessoa, porque, invariavelmente, faz o outro sofrer...

Igualando pessoas a coisas, na suposição de se ter, delas, o domínio definitivo e irrevogável, o sentimento possessivo vem sempre acompanhado de fértil produção imaginativa, que potencializa as emoções animalizadas e aumenta o transtorno na personalidade do perfil ciumento.


Também invariavelmente, o espírito, encarnado ou não, perturbado pela sensação do ciúme, imagina cenas que jamais aconteceram; pensa em situações que nunca se concretizaram; e perturba-se com muito pouco, imaginando a iminente perda dos seus afetos...

...É muito sofrimento!

Em situações-limites, imerso nos relacionamentos, sem controle, sem travas morais, sem educação sentimental, o ciúme é o motor responsável pelo despertar de comportamentos compulsivos, que impulsionam o ciumento a elaborar estratégias para tentar controlar o que o parceiro ou parceira poderia fazer, chegando-se às raias de se buscar supor o que é que o outro, o alvo dos sentimentos desequilibrados, poderia estar pensando, imaginando, ou, quem sabe, sentindo...

Esse aterrador sentimento patológico é ainda estopim comum de recorrentes episódios de violência passional que ilustram o cotidiano coletivo, folhetins e jornais policialescos.

...Mas, o que está por trás desse comportamento obsessivo-compulsivo, que leva um ser humano ao delírio de achar que outro ser humano poderia lhe ser posse única e exclusiva na Terra?!
A resposta a esse devaneio de ainda muitas pessoas, materializado na real coisificação do outro, com o fim de ter-lhe a posse exclusiva, reside em nada além do que no atraso moral do espírito, como de resto também residem todas as outras doenças da alma.

Sempre sábio, é Kardec quem nos afirma que todos os vícios promanam do egoísmo e do orgulho. Com esse sentimento desvirtuado, o ciúme, também não poderia ser diferente: o desejo enceguecido de posse de outra pessoa nada mais é do que a exacerbação do egoísmo, gerando espécie de “síndrome de propriedade”, para com o semelhante, e aguardando a cura somente por meio da necessária reforma íntima, onde o suporte poderão ser tratamentos espirituais e psicoterápicos, além do estudo e da busca do autoconhecimento, para a ulterior autoeducação.

Ao contrário do que muitos podem pensar, a inquietante problemática do ciúme não se limita às ações que marcam os sufocantes conflitos vividos nas relações afetivas constituídas do plano físico. Esses conflitos obsessivo-compulsivos estendem-se ao plano extrafísico, potencializados por variáveis ocultas, como a ação mento-magnética dos obsessores, conforme relata André Luiz, em emblemático caso narrado na obra “Entre a Terra e o Céu” (1).
No referido romance, Odila, já desencarnada, atormenta a atual esposa do marido, Zulmira, sem lhe dar trégua. É que a falecida, magoada em seus afetos, não permitia, em hipótese alguma, que o esposo refizesse a vida ao lado de outra mulher...

“– Odila, o ciúme que não destruímos, enquanto dispomos da oportunidade de trabalhar no corpo denso, transforma-se em aflitiva fogueira a calcinar-nos o coração, depois da morte”.

Esse, o conselho do mentor à ciumenta.
 
Diretriz que valeria também à segunda esposa do viúvo, a qual, desejando tanto a posse exclusiva do seu amado, planeja a morte de um dos filhos, a ela ligado na condição de enteado, com o devaneio tresloucado de obter ascensão única no coração disputado.
 
No drama torturado de Odila e Zulmira pressentimos o sofrimento de todos os que buscam reinar absolutos no coração de qualquer outra pessoa, como se isso fosse humanamente possível, tendo em vista que a destinação do ser humano é sempre amar ao seu próximo, para crescer em amor puro e desinteressado, até amar a humanidade toda, como o Cristo ensinou.

De fato, acerca dessa problemática, Emmanuel assevera-nos: “o ciúme (...) é um indício de atraso moral ou de estacionamento no egoísmo, dolorosa situação que o homem somente vencerá a golpes de muito esforço, na oração e na vigilância...” (2).


Para quem sente essa dor no coração, o ciúme que corrói e abate, resta saber que os ensinos espíritas deixam patente que depende de nós ampliarmos ou suavizarmos o amargor de nossas provas, pois se, por vezes, somos nós mesmos os causadores dos nossos sofrimentos materiais, por uma decorrência natural, somos nós também os causadores dos nossos sofrimentos morais.


Em nosso socorro, leciona o insigne Codificador, ao afirmar que esse temor afetivo é “o ciúme aliado à mediocridade”, porquanto “se se colocar fora do círculo acanhado da vida material, se elevar seus pensamentos para o infinito, que é seu destino, mesquinhas e pueris lhe parecerão as vicissitudes da Humanidade” (3).

Resta-nos afirmar que o nosso caminhar pela existência, seja a sós, em família, em sociedade, ou numa relação a dois, deve sempre se pautar pelos sentimentos da verdadeira fraternidade, que se materializa pelo respeito mútuo e, sobretudo, pelo exercício do amor pleno, desvinculado das sutis armadilhas que o egoísmo espalha pelo caminho.

Necessário iluminar as nossas mentes pela prática da oração, fortalecendo a realização do esforço pessoal, com o que estaremos, consequentemente, desenvolvendo os mecanismos fundamentais para a eliminação do ciúme, “deplorável cegueira humana” (4), de nossas vidas.

Um dia, enfim, livre desses sentimentos infelizes que nos atrasam a caminhada evolutiva, aprenderemos que quem nos ama verdadeiramente haverá de seguir nos amando, onde quer que esteja. E, espíritos imortais que somos, veremos que aqueles que se amam, quando momentaneamente separados por razões reencarnatórias que, a mais das vezes, desconhecem, sempre haverão de se reencontrar, e, em condições outras, mais favoráveis, terão a permissão divina para, então, seguirem juntos seus caminhos, lado a lado, sem jamais se separarem, se essa for a vontade livre de ambos os corações.

Publicado no Reformador jun/2016 - http://www.souleitorespirita.com.br/reformador/

 

Referências:
1-    XAVIER, Francisco Cândido (pelo Espírito André Luiz). Entre a Terra e o Céu. 27ª. ed. FEB. Brasília, 2013, p. 156.
2-    XAVIER, Francisco Cândido (pelo Espírito Emmanuel). O Consolador. 29ª. ed. FEB. Brasília, 2013, p. 122.
3-    KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Questão 933. FEB, 83ª. ed, Rio de Janeiro, 2002.
4-    XAVIER, Francisco Cândido (por Espíritos diversos). O Espírito da Verdade. 18ª. ed. FEB. Brasília, 2013, p. 115.

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