Por Warwick Mota
O ato
de falar mal de alguém, o boato constituído, a difamação, a detração, ou
qualquer outra palavra que utilizemos para conceituar a ação de denegrir o
outro pode sempre ser traduzida e entendida como maledicência.
Tida, em nosso incipiente estágio evolutivo, por hábito
corriqueiro ou comum, essa ação permeia os diversos ambientes sociais,
corporativos, institucionais, familiares e até religiosos, contaminando pessoas
e grupos, os quais, de maneira invigilante, vêm para ela contribuir, mesmo
quando não repetem o que ouvem, mas dão azo à fala desrespeitosa, que, muitas vezes,
tem o condão de desmontar a reputação alheia.
“Sabe
da última?!”...
A conversa maledicente quase sempre começa com
a entonação característica, traduzindo espécime de senha social para a disseminação
de histórias, cuja veracidade ninguém confirma, que avançam de boca em boca, de
juízo em juízo, muitas vezes em questão de horas, incrementadas, por vezes, pela
maldade na ampliação dos fatos, confirmando o dito popular de que “quem conta
um conto aumenta um ponto”.
A
ação, irrefletida, de se falar mal de outrem ou de se repetir histórias sobre as
quais pouco se sabe, às vezes quase nada se sabe, tomando-as por verdadeiras
apenas a título de assunto da hora, tem trazido, ao longo da história humana, prejuízos
morais e materiais irreparáveis àqueles que são vítimas da detração, inclusive
tem incentivado o que se popularizou chamar de bullying, a violência social contra pessoas, com intimidação
sistemática.
Porque
se fala tanto dos outros?!
Seria,
por acaso, a vida dos outros, mais interessante que a nossa própria vida?!
Na
maioria das vezes o que ocorre é que, invigilantes e descurados da nossa
própria reforma moral, deixamo-nos contaminar muito facilmente pelas vibrações
da maledicência, envolvidos pelo hábito infeliz de não questionar o que se
escuta, esquecidos de que, assim agindo, acabamos emprestando os ouvidos a
comentários que absolutamente nada constroem de positivo, mas, ao contrário, vinculam-nos
a vibrações por demais inferiores.
Dando
campo a que fatos não fundamentados espalhem-se, esquecemo-nos de que a
responsabilidade pelos assuntos que propagamos é sempre dividida em cotas
iguais, entre o maledicente e aquele que presta atenção ao mal.
Na era
digital, então, difamar tornou-se processo razoavelmente fácil, porque os
boatos, chamados, nas redes sociais, de hoax,
num termo da língua inglesa, espalham-se em velocidade vertiginosa, devido à também
chamada “compulsão digital”, impulso que leva usuários da rede mundial de
computadores a repassarem tudo o que recebem, muitas vezes de maneira
irrefletida, esquecidos mesmo do ensino de Jesus, de que: “Não é o que entra na
boca que macula o homem; o que sai da boca do homem é que o macula”. (1)
Nos
cenários digitais, em que autores de boatos e de fatos infundados podem
facilmente se ocultar, nascem as detrações fortuitas, decorrentes, por vezes,
de visão equivocada que as pessoas têm dos acontecimentos, ou da imaturidade revelada
pelas rupturas de relações pessoais que ferem interesses e ampliam
desequilíbrios latentes: muitos conflitos interpessoais revelam atores movidos
pela mágoa, os quais, enceguecidos pelo desejo vingança, almejam a destruição
do alvo dos seus desafetos e fazem-no com tamanha convicção que pessoas
honestas muitas vezes são levadas a crerem no que se afirma, de maneira
infundada.
Desfazer
uma difamação ou boato, por outro lado, configura-se como processo extremamente
complicado, às vezes impossível numa encarnação inteira, gerando dramas, que se
arrastam nas teias do tempo, e processos de reparação dolorosa.
A esse
respeito, a mentora Joanna de Ângelis ensina-nos que “o maledicente é
atormentado que se debate nas lavas da própria inferioridade. Tem a visão
tomada e tudo vê através das pesadas lentes que carrega”. (2)
É de bom termo lembrar que quase todos nós, vez ou outra,
somos alcançados pela tentação de acusar e apontar defeitos. O remédio, para
esse impulso que nos denuncia a inferioridade espiritual, é sempre buscarmos
nos recordar das nossas próprias limitações e imperfeições. Nunca é demais lembrar
que, quando estendemos a mão para apontar o dedo a alguém, por um movimento
natural involuntário essa mesma mão estará apontando três dedos para nós
mesmos...
Nada justo realçar-se os defeitos alheios, no interesse camuflado
de prejudicar, de menoscabar o semelhante, ou na vera pequeneza de falar mal
por prazer, para tirar proveito da situação, ou, até mesmo, para se vingar, sob
qualquer pretexto.
É
o insigne Codificador quem nos adverte:
Importa, porém, não esquecer que a indulgência
para com os defeitos de outrem é uma das virtudes contidas na caridade. Antes
de censurardes as imperfeições dos outros, vede se de vós não poderão dizer o
mesmo. Tratai, pois, de possuir as qualidades opostas aos defeitos que
criticais no vosso semelhante. Esse o meio de vos tornardes superiores a ele.
Se lhe censurais a ser avaro, sede generosos; se o ser orgulhoso, sede humildes
e modestos; se o ser áspero, sede brandos; se o proceder com pequenez, sede grandes
em todas as vossas ações. Numa palavra, fazei por maneira que se não vos possam
aplicar estas palavras de Jesus: Vê o argueiro no olho do seu vizinho e não vê
a trave no seu próprio. (3)
Resta lembrar que as palavras criam imagens vivas,
plasmadas no terreno mental do emissor, e, em assim sendo, produzem consequências
diretas, em razão proporcional à sua motivação de origem. Fatos infundados e
boatos espalhados tendem a sobreviver, alimentados pela mente que os originou
com fins destrutivos, e, não raro, o próprio maldizente acaba sofrendo os
efeitos da sua ação, na condição de vítima, ou de outras intrigas, ou dos mesmos
equívocos que aponta nos outros.
Cabe-nos, portanto, em todos os momentos, a emissão da
palavra comprometida com o bem e com a verdade, submetida sempre ao cadinho da
razão: o que vamos falar é importante? É verdadeiro? Vai ajudar alguém? Vai
construir algo de bom?
Não
encontrando respostas para esses questionamentos, guardemos a informação, qualquer
que seja, em nós mesmos, no sempre oportuno e adequado algodão do silêncio.
Transcrito do Reformador abril/2016
Referências:
1)
Mateus,
15:11
2) FRANCO,
Divaldo (Joanna de Ângelis, Espírito). Lampadário Espírita. Federação Espírita
Brasileira. 4ª. ed., Rio de Janeiro, RJ, 18989, p. 128.
3) KARDEC,
Allan. O Livro dos Espíritos:
princípios da Doutrina Espírita. Federação Espírita Brasileira. 83ª. ed., Rio
de Janeiro, RJ, 2002, questão 903.