Na lição 115 de Pão Nosso (1), Emmanuel
desafia-nos com a seguinte assertiva: “não basta alcançar as qualidades da ovelha,
quanto à mansidão e ternura, para atingir o reino divino”.
A explicação do mentor de Chico Xavier
remete-nos à fala de Jesus: “em verdade vos digo que eu sou a porta das
ovelhas” (2). Sendo, essa afirmação, muito adequada, porquanto o Mestre sempre
buscava se apropriar dos elementos mais simples, próximos à vida das pessoas,
para ilustrar seus ensinamentos.
O muro que cercava Jerusalém, a cidade antiga,
era composto por 12 portas.
Hoje são oito portas apenas.
Como muitas estradas tinham por destino Jerusalém,
cada porta desse muro representava a recepção ao viajor ou o fim de um caminho,
podendo ser, ainda, a tomada de um destino, para quem desejasse seguir em
frente.
Ali, nas portas de Jerusalém, é que eram
passadas informações, ocorriam as feiras...
Para cada porta, um simbolismo.
Havia, por exemplo, a porta do peixe; a porta
velha; a porta do vale; a do monturo; a da fonte...
Tinha também a porta do gado, que era conhecida
por ser a “porta das ovelhas”: essa entrada apresentava um significado
especial, pois era por ali que passavam ovelhas e carneiros destinados, pelos
hebreus, ao sacrifício.
Então era um local consagrado.
Era a única porta sagrada.
Jesus passou diversas vezes por esse pórtico.
Ele conhecia o cotidiano popular e, então, apropriou-se também desse simbolismo,
traduzindo o que deveria ser mera simbologia
ao seu sentido verdadeiro, já que a porta era tida por passagem para
Deus.
O Mestre vem e encerra o ensinamento, dizendo:
“Eu sou a porta. Se alguém entrar por mim (...) achará pastagem...” (3).
E extingue, aí, toda a alegoria da tradição que
exigia sacrifícios e rituais.
Com Jesus, não mais forma, mas conteúdo;
Não mais exterior, mas o interior;
Não mais externalidades inúteis, mas a
realidade do nosso íntimo transformado, caracterizado pela verdadeira pureza de
intenções, de sentimentos.
Hoje, mais que nunca, tendo em vista a nossa
redenção que se faz necessária, é preciso que alcancemos essa Divina Porta!
E, mais que a Porta, Jesus, sabemos, é o
Caminho, é a Verdade, é a Vida.
Jesus é o melhor Modelo de que dispomos, na
Terra, a ser seguido.
Sem dúvida, nossa redenção espiritual passa por
conseguirmos atender ao convite do Divino Amigo e amarmos como Ele nos amou, buscando
viver como Ele viveu.
Invariavelmente, só conseguiremos vida, vida em
abundância, na assunção real dos ensinamentos do Mestre.
É por isso que Emmanuel alerta que não nos basta
a ternura das ovelhas, para que alcancemos
os páramos celestiais: é necessário algo mais...
E esse algo tem nome: chama-se reforma íntima
verdadeira.
A Doutrina Espírita, tão rica em ensinamentos,
traz-nos as orientações que nos convidam a análises comportamentais e
situacionais, propondo-nos a necessária mudança íntima, em que o livre arbítrio
será respeitado em todos os momentos.
Observemos que, hoje, a nossa capacidade de
amar, de perdoar, está limitada a uma escala, que é humana. Nessa escala, nós
modulamos as nossas possibilidades, num gradiente pessoal, pois que depende do
quanto cada um já pôde aprender e aquilatar em termos de valores morais.
O que Emmanuel assevera-nos, quando é taxativo
ao afirmar que não nos basta a blandícia das ovelhas, é que é preciso que
rompamos a barreira das nossas conquistas morais anteriores, para irmos além.
É necessário que saiamos do comodismo inercial,
para sermos capazes de perdoar mais, de amarmos mais, de fazermos um pouco mais
em prol de nós mesmos, dos nossos semelhantes e do mundo em que vivemos.
Pois foi o Mestre mesmo quem nos ensinou que,
se nos pedissem para andarmos uma milha, que andássemos duas... (4)
Se a decisão de acertar não for renovada
insistentemente, corremos o risco de, novamente, deixarmo-nos envolver pela
cobiça; pelos prejuízos da sexualidade sem disciplina; pela maledicência; por
toda a ordem de desvios morais.
E nos contaminarmos, outra vez, após termos
decidido que, nesta encarnação, acertaríamos.
É a ausência de reflexão, de nos questionarmos
se, verdadeiramente, esta ou aquela escolha vai nos fazer bem, que nos leva ao
erro
Às vezes, um instante de insensatez vai nos
exigir reconstruirmos muito do que construímos a duras penas, e, ainda assim,
para alguns, a depender do erro cometido, uma vida inteira pode não ser suficiente
para se refazer a própria trajetória, isso redundando em lamentável tempo
desperdiçado.
A verdade é que, na Terra, ainda somos como
flechas que, atiradas ao alvo, lamentavelmente nos desviamos.
É quando a pedagogia da vida utiliza-se do elemento
chamado dor.
A dor, conquanto sempre passageira, vem e
produz a necessária reflexão, convidando-nos às mudanças, porque, no limite, o
sofrimento moral torna-se insuportável, já que traz, com ele, o remorso e a
culpa, esse verdugo impiedoso.
Então, dessa sensação de negação de nós mesmos que
o sofrimento moral provoca provem a reconexão com o caminho, com o alvo.
E porque, sob todos os matizes, Deus é amor, o
sofrimento moral leva-nos também a buscarmos a porta de salvação das nossas
dores.
E, como vimos, a Porta é sempre Jesus.
Para alcançarmos o pórtico da nossa própria
redenção, enunciado há mais de dois milênios pelo Divino Emissário, o que precisamos,
verdadeiramente, é nos comprometermos em não cometermos os mesmos erros de
hoje, amanhã.
Precisamos nos comprometer com a nossa
transformação moral.
Não apenas brandura no falar, mas afabilidade
no pensar;
Não só blandícia ao se posicionar, mas ternura
no querer;
Não só calma no transparecer, mas amorosidade
no, efetivamente, ser.
Para alcançarmos a Porta, o Caminho, a Verdade,
a Vida a que nos convida Jesus, é necessário muito esforço e transformação. Nas
pequeninas como nas grandes coisas.
Referências:
1
XAVIER,
Francisco Cândido (Pelo Espírito Emmanuel). Pão Nosso. Brasília: FEB. 6ª. ed.
2014, p. 243.
2 João, 10:7
) João, 10:9
4- Mateus, 5: 41