terça-feira, 5 de janeiro de 2016

TOLERÂNCIA E RESPEITO

Por Warwick Mota

A diversidade religiosa é uma das marcantes características culturais que assinala a humanidade. São milhares de denominações que definem religiões e seitas, reunindo, em todos os pontos da Terra, seguidores de todos os credos.

Essa pluralidade de crenças, em conjunto com a diversidade étnica, torna as relações entre os povos ainda mais complexas, sendo responsável por inenarráveis conflitos que envolvem o homem desde os primórdios.

Recentemente o Rio de Janeiro foi palco de um episódio de grande desrespeito e intolerância religiosa, com agressões verbais e apedrejamento de uma criança de apenas onze anos, conforme relata a revista Istoé, em nota cujo título é “Pedrada do preconceito” (1).

Neta de espírita e filha de evangélica, a estudante Kayllane Campos tem em sua casa uma amostra da saudável tolerância religiosa que existe no Rio de Janeiro, desde que o candomblé, vindo da África, ancorou no bairro carioca da Saúde em 1886 e nele abrigou os primeiros cultos organizados por Mãe Aninha, congregando diversas religiões. Nada tem a ver com a tradição do Rio de Janeiro, portanto, as covardes agressões que a adolescente Kayllane, 11 anos de idade, sofreu na semana passada devido à sua fé. Ela foi apedrejada por dois supostos evangélicos quando saía de um culto de candomblé, e novamente se tornou vítima de violência, dessa vez verbal, quando chegava ao IML para exame de corpo de delito – “macumbeira, macumbeira, vá queimar no inferno”, gritavam insistentemente algumas pessoas. “Quem tacou pedra é vândalo que se esconde atrás da palavra de Cristo”, diz Karina Coelho, a evangélica que é mãe da praticante do candomblé Kayllane. “Eu condeno as pessoas que feriram minha filha”. 

O que leva o homem a manifestar esse comportamento? Por que a diversidade de credos paradoxalmente levanta contendas, quando as religiões deveriam ter, por princípios fundamentais, a ética da tolerância, a caridade, o respeito, o amor fraterno, a compreensão e a paz?

As contendas político-religiosas são antigas, e a história registra perseguições implacáveis, desrespeito aos direitos mais básicos do homem e execuções cruéis, como as relatadas no Antigo Testamento, que marcam a rivalidade entre os profetas de Baal e Elias(2). Em todos os momentos da história da humanidade está presente a concepção dualística, que tenta estruturar o mundo à semelhança de uma balança que oscila na eterna batalha entre o bem e o mal, ou entre o mito de Satã e Deus.

A Idade Média é pródiga na propugnação dessa ideia, e as cruzadas representam um marco desse pensamento, pois registram episódios sórdidos, como o impiedoso extermínio dos cátaros ou albigenses, que deixou marcas atrozes de uma perseguição insana, fundamentada nos interesses e preconceitos da Igreja antiga, a qual definiu o catarismo como heresia maniqueísta.

São muitos os episódios de intolerância religiosa ocorridos no período que compreendeu a Idade Média, culminando com o Tratado de Paz de Westphalia (região do norte da Alemanha) que veio laureado por um antigo princípio: cujus regio, eius religio (quem tem a região tem a religião). Esse princípio marca a assinatura do Tratado, ocorrido em 1648, que pôs fim à Guerra dos Trinta Anos, conflito que, por sua vez, teve por estopim a rivalidade política existente entre o Imperador Habsburgo, do Sacro Império Romano-Germânico (católicos) e as cidades-Estado comerciais protestantes (luteranas e calvinistas) do norte da Alemanha, que fugiram ao seu controle.

A Paz de Westphalia garantiu, portanto, o direito de cada Estado manter seu regime e religião, sem interferência externa.

Esses acontecimentos, entretanto, não encerram os episódios de intolerância, embora tenham estabelecido o princípio de tolerância e liberdade religiosa.

Incomodado com essa questão, o filósofo jusnaturalista inglês, John Locke (1632 – 1704) resolve, em 1689, publicar uma carta acerca da intolerância (3), quando passa a defender a tolerância religiosa a partir da separação de Estado e Igreja, esclarecendo, de forma irrefutável, qual é o principal distintivo de uma verdadeira igreja, bem como o do verdadeiro homem de bem, digno de ser chamado cristão:

Se um homem possui todas aquelas coisas (bens materiais), mas lhe faltar caridade, brandura e boa vontade para com todos os homens, mesmo para com os que não forem cristãos, ele não corresponde ao que é um cristão. 

E continua Locke, a nos ensinar acerca da tolerância religiosa:

Quem for descuidado com sua própria salvação dificilmente persuadirá o público de que está extremamente preocupado com a de outrem. Ninguém pode sinceramente lutar com toda a sua força para tornar outras pessoas cristãs, se não tiver realmente abraçado a religião cristã em seu próprio coração. Se se acredita no Evangelho e nos apóstolos, ninguém pode ser cristão sem caridade, e sem a fé que age, não pela força, mas pelo amor (4).
Os ensinamentos de John Locke corroboram com o pensamento de Allan Kardec, no resgate à aplicação da tolerância e do respeito, conforme lecionou o Mestre Jesus.

Fundamentado na ética do amor, que marca a mensagem do Cristo, o Codificador realça, com o ensino dos Espíritos, na mais pura acepção, o significado valorativo de tolerância e respeito, em O Livro dos Espíritos, quando fala da Lei de Igualdade (5). Esta Lei estabelece respeito como sendo uma atitude que consiste em não prejudicar alguém ou alguma coisa, evocando, assim, a regra de ouro que deveria nortear as relações entre os homens:

822. Sendo iguais perante a lei de Deus, devem os homens ser iguais também perante as leis humanas?

“O primeiro princípio de justiça é este: Não façais aos outros o que não quereríeis que vos fizessem”.
O mestre lionês não apenas teoriza, mas exemplifica tolerância e respeito, ao superar com grandeza os ataques feitos ao Espiritismo, soprando, para bem distante, as cinzas do Auto de Barcelona, aconselhando-nos (6):

O Espiritismo se dirige aos que não creem ou que duvidam, e não aos que têm fé e a quem essa fé é suficiente; ele não diz a ninguém que renuncie às suas crenças para adotar as nossas, e nisto é consequente com os princípios de tolerância e de liberdade de consciência que professa. Por esse motivo não poderíamos aprovar as tentativas feitas por certas pessoas para converter às nossas ideias o clero, de qualquer comunhão que seja. Repetiremos, pois, a todos os espíritas: acolhei com solicitude os homens de boa vontade; oferecei a luz aos que a procuram, porque com os que creem não sereis bem-sucedidos; não façais violência à fé de ninguém, muito mais quanto ao clero que aos seculares, porque semeareis em campos áridos; ponde a luz em evidência, para que a vejam os que quiserem ver; mostrai os frutos da árvore e deles dai de comer aos que têm fome e não aos que se dizem saciados.

Ao tratar da Constituição Transitória do Espiritismo (7), Kardec aproveita para enfatizar o tema respeito e tolerância, exprimindo argumentos que marcam a robustez da Doutrina Espírita:

Acrescentemos que a tolerância, fruto da caridade, que constitui a base da moral espírita, lhe impõe como um dever respeitar todas as crenças. Querendo ser aceita livremente, por convicção e não por constrangimento, proclamando a liberdade de consciência um direito natural imprescritível, diz: Se tenho razão, todos acabarão por pensar como eu; se estou em erro, acabarei por pensar como os outros. Em virtude destes princípios, não atirando pedras a ninguém, ela nenhum pretexto dará para represálias e deixará aos dissidentes toda a responsabilidade de suas palavras e de seus atos.

Fica-nos claro, portanto, que a tolerância exige o respeito à regra de ouro presente na Questão 822 de O Livro dos Espíritos, mas entendemos que ela não é suficiente por ter características de uma virtude passiva: é necessário ir além do tolerar. É preciso amar o próximo como recomenda Jesus, e romper com os limites que estabelecemos para apenar alguém, como estabelece Pedro, ao perguntar ao Mestre: “Quantas vezes devo perdoar meu irmão? Sete vezes?”.
           
Sabemos que o excesso de tolerância leva à indiferença e a ausência da tolerância leva à intolerância, mas, quando respeitamos o próximo, nós o amamos, e o amar é ativo, pois nos convida a romper os limites, conforme ensina Jesus: “Se alguém te obrigar a andar uma milha, vai com ele duas” (8).
           
Cumprir a primeira milha é não fazer o mal ao próximo, cumprindo nossa obrigação de cristão. Cumprir a segunda milha consiste em amar o próximo para alcançar a elevação.

Publicado no Jonal Brasilía Espírita - Grêmio Espírita Atualpa - jan/2016 

Referências:
1-        Revista Istoé – 24 de junho de 2015, nº 2377, Ed. Três
2-        A Bíblia de Jerusalém - 1º Reis 18: 1/40 – Edições Paulinas
3-        LOCKE, John - Coleção “Os Pensadores” – Abril Cultural – pág. 03-39
4-        Idem LOCKE, John
5-        KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos - Feb
6-        KARDEC, Allan. Revista Espírita de 1863 (pág. 367) - Feb
7-        KARDEC, Allan. (Revista Espírita 1868, pag. 515) - Feb
8-        A Bíblia de Jerusalém - Mateus 5, vv.41 – Edições Paulinas.
Artigos Internet
1.         Dossiê Intolerância Religiosa - http://intoleranciareligiosadossie.blogspot.com.br/

2.         A nova ordem global - http://educaterra.terra.com.br/vizentini/artigos/artigo_75.htm

sábado, 2 de janeiro de 2016

O CARNAVAL E AS ALEGRIAS

Warwick Mota

O carnaval é o período de festas e divertimentos compreendido entre o chamado dia de Reis e a intercessão católica denominada “Quaresma”. Corresponde, mais especificamente, aos três dias que precedem a quarta-feira de cinzas, com ocorrência nos meses de fevereiro ou março, a cada ano.

Interessante observar que alguns feriados eclesiásticos são calculados em função da data da Páscoa, que é celebrada no primeiro domingo após a primeira lua cheia, a partir de 21 de março. Assim é que a sexta-feira da Paixão é sempre a sexta-feira que antecede o Domingo de Páscoa, e o dia do “Corpo de Cristo”, o feriado de Corpus Christi, é comemorado 60 dias após a Páscoa.

Da mesma forma, o carnaval ocorre 47 dias antes da Páscoa, embora não se devesse, é certo, levando-se em consideração o tipo de festejo a que a data induz, associar o evento ao momento sublime da Páscoa cristã.

Historicamente, não existe consenso quanto às origens do carnaval. De acordo com alguns pesquisadores, as raízes históricas da festa remontam aos bacanais da antiga Roma. Para outros, a origem dos festejos é bem mais remota e relaciona-se a homenagens à deusa Ísis ou ao deus Osíris, no Antigo Egito.

Independentemente de sua origem, fato é que o carnaval já existia na Antiguidade clássica, e também na pré-clássica. Em Roma, o evento era ocasião para se comemorar a chamada saturnália, festa dedicada ao deus Saturno. Os festejos duravam quatro dias ou mais, quando os romanos não trabalhavam.

Essa festa, por fim, foi incorporada pela Igreja Católica, e, de acordo com a etimologia do termo, carnaval tem origem em carnelevamen, sendo, a palavra, posteriormente, modificada para se adaptar à expressão “carne, vale!”.

Carnelevamen é vocábulo que também pode ser interpretado como carnis levamen: “prazer da carne” – compondo uma espécie de último momento de alegria e festejos profanos, antes do período de recolhimento exigido pela Quaresma católica.

Fato é que o termo carnis levamen, entendido como o “prazer da carne”, traduz, de forma inconteste, o que representam os festejos carnavalescos.

É inexoravelmente o “prazer da carne” que conduz, todos os anos, legiões de encarnados e desencarnados a uma simbiose de grandes profusões, gerando comprometimentos de todos os gêneros e perpetuando remorsos e tramas incessantes, que se arrastam por encarnações sucessivas.

Na vida real, a alegria da canção “atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu” (1), em verdade, não se aplica, pois sabemos que, seguindo os desregramentos a que a turba desvairada permite-se, em meio aos festejos da data, há verdadeira massa de desencarnados, também buscando os mesmos prazeres e idênticas sensações fugidias e efêmeras.
Época de despautérios e excessos de toda ordem, que consubstanciam, do ponto de vista material, o crescimento de estatísticas nefandas, como aquelas relativas a agressões, à transmissão de doenças sexuais, ou, ainda ao consumo de álcool e entorpecentes, a festa segue também alavancando índices de mortes por acidentes no trânsito e pela violência urbana, sem distinção de classe social ou faixa etária.

Na obra “Nas Fronteiras da Loucura”, o Espírito Manoel Philomeno de Miranda (2) é quem apresenta, de maneira irretocável, os dramas obsessivos instalados, com suas respectivas conseqüências, a partir do cenário apresentado pelo carnaval brasileiro.

Em outra obra psicografada, esta por Raul Teixeira, o Espírito Teresa de Brito (3) também esclarece, acerca do tema:

“O imediatismo de Momo, os gozos das folias, as alegrias do carnaval, tudo isso se desvanecerá, como todo fogo fátuo, e deixará os que nele se locupletam nas valas da frustração e do arrependimento, mais cedo ou mais tarde.” 

A alegação às vezes proferida, de que o período carnavalesco tem por objetivo apenas extravasar, através da alegria, as dificuldades acumuladas, em verdade mostra-se bastante incoerente, pois, conforme nos ensinou Jesus: “Ninguém pode servir a dois senhores, porque, ou ele aborrecerá a um e amará ao outro; ou se afeiçoará a um e desprezará ao outro. Não podeis servir ao mesmo tempo a Deus e a Mamon” (4).

Pelos prazeres da carne, o homem priva-se da razão, colocando-se meramente em busca da satisfação das sensações.

E isso é absolutamente entristecedor, especialmente quando sabemos do convite inapelável feito pela mídia, e pela própria cultura popular, aos cidadãos despreparados, para que estes se entreguem a essas fantasias, em poucos dias apenas, fazendo-os se esquecerem de que muitas das conseqüências de atos esvaziados de sentido acompanham-nos por toda a vida e para além da vida física também.

 “Toda paixão que aproxima o homem da natureza animal afasta-o da natureza espiritual” (5) sabemos.

Ora, ninguém está privado de alegrar-se, de ser feliz, nem mesmo de buscar divertimento na Terra.

Também ninguém está proibido de celebrar belas datas, nem de festejar as alegrias que lhe vão à alma, mas em tudo, e para tudo, há que se buscar o equilíbrio, o discernimento e as melhores escolhas, para não se cair na vala comum da falta de respeito, até para consigo mesmo, do desamor, da falta de moral e de ética.

De tudo, busquemos o melhor, inclusive nas fontes de alegria, para que não nos vejamos rebaixados à nossa mais ínfima condição animal, que ainda trazemos conosco, quando poderíamos nos estar elevando, na busca real da nossa destinação, que é sempre a Espiritualidade Maior.

Lembremos que “o Espírito é o futuro e a vitória final, mas a carne é nosso próprio passado, repleto de compromissos e tentações” (6).

Se temos milenarmente errado, para que nos infligirmos mais erros, por meio das tentações a que não sabemos se resistiremos, em meio a uma festa profana que, de verdadeiro, nada nos traz?

Em consonância, vale o conselho: “evita as águas revoltas dos destrambelhamentos, das taras e da vulgaridade, para que não te afogues no desespero e te possas elevar junto a quem amas, às cumeadas da paz interior” (7).

Melhor buscarmos os bons sentimentos, oriundos do trabalho no bem e no esclarecimento sincero, colaborando no processo de elevação da criatura humana, a partir da nossa própria elevação, esta, por si só, já por demais custosa.

Publicado na Revista Internacional de Espiritismo - RIE, janeiro 2016 

Referências:
1)    Atrás do Trio Elétrico. Caetano Veloso. Disponível em https://letras.mus.br/caetano-veloso/43868/. Acesso em 12 de novembro 2015.

2)    FRANCO, Divaldo Pereira (pelo Espírito Manoel Philomeno de Miranda). Nas fronteiras da loucura. Alvorada, 11ª edição. Salvador, BA. 2001, toda obra.

3)    TEIXEIRA, José Raul (pelo Espírito Theresa BRITO). Vereda Familiar, Fráter. 1ª edição. Niterói, RJ, 1991, p. 61.

4)    Lucas, 16:13, A Bíblia de Jerusalém, Edições Paulinas, São Paulo - SP.

5)    KARDEC, Allan, O Livro dos Espíritos. FEB, 88ª edição. Rio de Janeiro, RJ, 2006, 3ª parte, Cap. XII, Q. 908, p. 469.

6)    XAVIER, Francisco Cândido; VIEIRA, Waldo (por Espíritos diversos). O Espírito da Verdade: estudos e dissertações em torno de O Evangelho segundo o Espiritismo, de Allan Kardec. FEB, 18ª. Edição. Brasília, 2013, p. 154.


7)    TEIXEIRA, Raul (pelo Espírito Camilo). Minha família, o mundo e eu. Fráter, 1ª edição. Niterói, RJ, 2011, p. 194.

DORES DA ALMA

Warwick Mota

A transitoriedade é uma das características que marcam os mundos de expiação e provas, como o planeta em que vivemos.

Nesses orbes, os acontecimentos são sempre de natureza breve ou temporária, não possuindo, nenhum sofrimento ou alegria, caráter definitivo, e a perturbação e a incerteza estão presentes em toda a ordem social, em atos e fatos.

Para esse cenário de intermitência, afluem acontecimentos de todos os matizes. Tramas e dramas desenvolvem-se, pontilhados pela dor, e experiências são vividas sob diversas formas, resultando, a cada ser, num legado moral que termina por impulsionar o homem ao cumprimento inexorável da Lei do Progresso.

Situa-se, nesse panorama de avanço, a dor, como ferramenta fundamental ao burilar das criaturas, em seu processo de desenvolvimento, pois ela, a dor, está presente em todo o caminhar da humanidade, como o látego que nos faz acelerar o passo e andar para frente, retomando os caminhos que, muitas vezes, perdemos em divagações e equívocos.

Inobstante à ampliação das conquistas materiais e tecnológicas humanas, vivemos dias de crises morais na Terra. Dias de perda de valores de consciência, de sofrimento pela ausência de afeto; pelas falsas escolhas, em uniões infelizes; pela falta de apoio; pela ambição desmedida; pela falta de temperança e bom senso. A verdade é que ainda somos seres que tateiam, no campo das realizações interiores.

Nesse cenário, a dor é o instrumento pedagógico por excelência, porque muitos caem por sua própria culpa, e a ninguém é dado fugir aos ditames da lei. E, especialmente, a dor moral, aquela sentida no âmago da alma, tem o condão oportuno de provocar profundas reflexões. É quando ela lateja, a dor moral, que o Espírito, independentemente da sua condição, se encarnado ou desencarnado, passa a enfrentar o tribunal da própria consciência.

Nos momentos de encontro conosco mesmos, palmilhados pelo sofrimento moral, nossos atos equivocados provocam intensa angústia, acompanhada do sentimento de vergonha, da negação de nós mesmos. À luz desse cenário, o remorso potencializa o sofrimento, e a culpa faz-se verdugo impiedoso. 

É a hora de se aprender para a eternidade.

Aprende-se com as experiências dolorosas e compreende-se, a duras penas, que só evoluímos quando incorporamos as situações vivenciadas como aprendizado perene, do espírito.

É quando as dores da alma podem nos ensinar, para as experiências futuras.

Da mesma forma que o arco-reflexo nos impedirá de colocarmos o dedo numa superfície quente, porque uma vez já nos queimamos, nossas experiências passadas, se bem compreendidas, impedir-nos-ão de sermos reincidentes nos erros, para que não soframos novamente.

Ensinam-nos os Espíritos que todas as particularidades da nossa vida são registradas em nosso perispírito, gerando lembranças inapagáveis. As dores verdadeiramente sentidas, as dores da alma, essas nos marcam indelevelmente.

A contrapartida da dor é que ela produzirá, na alma encarnada ou, com mais intensidade, no espírito desencarnado, o arrependimento e, com ele, a vontade sincera de se reconstruir a aliança com o Criador, aplacando-se a tempestade íntima e dando-se início ao processo de recondução do ser ao caminho do Bem.

O reencontro com Deus significa, por fim, a renovação. Promove a auto-reconciliação e abre novas perspectivas para o recomeço. É o amor do Pai que se derrama sobre nós, revestido de formas inumeráveis, sendo o amor que se manifesta sob todos os aspectos, da forma mais simples à forma mais elaborada, da forma mais sutil à forma mais profunda.

É pelo amor incondicional de Deus que somos reconectados aos caminhos do Bem e à conquista final da liberdade, conforme estabelece a proposta de Jesus:

Vinde a mim todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para as vossas almas. Porque o meu jugo é suave e o meu fardo é leve. (1)

Quando ouvimos o chamado do Divino Amigo, sentimo-nos fortes e resolutos. Então as dificuldades apequenam-se, porque a força que nos impulsiona é muito superior, e uma serenidade, antes inalcançável, transforma-nos em fortalezas de fé que nos fazem vencer as intempéries da travessia.
A par disso tudo, cumpre-nos saber que “tudo o que vive neste mundo, natureza, animal, homem, sofre, e, todavia, o amor é a lei do Universo e por amor foi que Deus formou os seres”. (2)

Em que pese o buril penoso da dor que nos emula, fomos criados pelo e para o amor, e essa certeza do amor incondicional de Deus para com as suas criaturas renova nossas esperanças e fortalece a nossa resignação perante todas as provas e todas as expiações.

Matéria de capa jornal o Clarim janeiro 2016
O Clarim”; Matão, janeiro de 2016, p.3: https://www.oclarim.org/oclarim/materias/4531/jornal/2016/Janeiro/dores-da-alma.html
Referências:
     1- Mateus, 11: 28-30
    2-DENIS, Léon. O problema do ser, do destino e da dor: os testemunhos, os fatos, as leis. 32ª. ed. FEB: Brasília, 2013, p. 347.

ECOLOGIA E ESPIRITISMO

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