Warwick Mota
O carnaval
é o período de festas e divertimentos compreendido entre o chamado dia de Reis
e a intercessão católica denominada “Quaresma”. Corresponde, mais
especificamente, aos três dias que precedem a quarta-feira de cinzas, com
ocorrência nos meses de fevereiro ou março, a cada ano.
Interessante
observar que alguns feriados eclesiásticos são calculados em função da data da
Páscoa, que é celebrada no primeiro domingo após a primeira lua cheia, a partir
de 21 de março. Assim é que a sexta-feira da Paixão é sempre a sexta-feira que
antecede o Domingo de Páscoa, e o dia do “Corpo de Cristo”, o feriado de Corpus Christi, é comemorado 60 dias
após a Páscoa.
Da mesma
forma, o carnaval ocorre 47 dias antes da Páscoa, embora não se devesse, é
certo, levando-se em consideração o tipo de festejo a que a data induz, associar
o evento ao momento sublime da Páscoa cristã.
Historicamente,
não existe consenso quanto às origens do carnaval. De acordo com alguns pesquisadores,
as raízes históricas da festa remontam aos bacanais da antiga Roma. Para
outros, a origem dos festejos é bem mais remota e relaciona-se a homenagens à
deusa Ísis ou ao deus Osíris, no Antigo Egito.
Independentemente
de sua origem, fato é que o carnaval já existia na Antiguidade clássica, e
também na pré-clássica. Em Roma, o evento era ocasião para se comemorar a
chamada saturnália, festa dedicada ao deus Saturno. Os festejos duravam quatro
dias ou mais, quando os romanos não trabalhavam.
Essa
festa, por fim, foi incorporada pela Igreja Católica, e, de acordo com a
etimologia do termo, carnaval tem origem em carnelevamen, sendo, a
palavra, posteriormente, modificada para se adaptar à expressão “carne, vale!”.
Carnelevamen
é vocábulo que também pode
ser interpretado como carnis levamen: “prazer da carne” – compondo uma espécie de último momento de
alegria e festejos profanos, antes do período de recolhimento exigido pela Quaresma
católica.
Fato
é que o termo carnis levamen, entendido como o “prazer da carne”, traduz,
de forma inconteste, o que representam os festejos carnavalescos.
É
inexoravelmente o “prazer da carne” que conduz, todos os anos, legiões de
encarnados e desencarnados a uma simbiose de grandes profusões, gerando comprometimentos
de todos os gêneros e perpetuando remorsos e tramas incessantes, que se
arrastam por encarnações sucessivas.
Na
vida real, a alegria da canção “atrás do trio elétrico só não vai quem já
morreu” (1), em verdade, não se aplica, pois sabemos que, seguindo os
desregramentos a que a turba desvairada permite-se, em meio aos festejos da
data, há verdadeira massa de desencarnados, também buscando os mesmos prazeres
e idênticas sensações fugidias e efêmeras.
Época
de despautérios e excessos de toda ordem, que consubstanciam, do ponto de vista
material, o crescimento de estatísticas nefandas, como aquelas relativas a
agressões, à transmissão de doenças sexuais, ou, ainda ao consumo de álcool e entorpecentes,
a festa segue também alavancando índices de mortes por acidentes no trânsito e pela
violência urbana, sem distinção de classe social ou faixa etária.
Na
obra “Nas Fronteiras da Loucura”, o Espírito Manoel Philomeno de Miranda (2) é
quem apresenta, de maneira irretocável, os dramas obsessivos instalados, com suas
respectivas conseqüências, a partir do cenário apresentado pelo carnaval brasileiro.
Em
outra obra psicografada, esta por Raul Teixeira, o Espírito Teresa de Brito (3)
também esclarece, acerca do tema:
“O
imediatismo de Momo, os gozos das folias, as alegrias do carnaval, tudo isso se
desvanecerá, como todo fogo fátuo, e deixará os que nele se locupletam nas
valas da frustração e do arrependimento, mais cedo ou mais tarde.”
A
alegação às vezes proferida, de que o período carnavalesco tem por objetivo
apenas extravasar, através da alegria, as dificuldades acumuladas, em verdade
mostra-se bastante incoerente, pois, conforme nos ensinou Jesus: “Ninguém pode
servir a dois senhores, porque, ou ele aborrecerá a um e amará ao outro; ou se
afeiçoará a um e desprezará ao outro. Não podeis servir ao mesmo tempo a Deus e
a Mamon” (4).
Pelos
prazeres da carne, o homem priva-se da razão, colocando-se meramente em busca
da satisfação das sensações.
E
isso é absolutamente entristecedor, especialmente quando sabemos do convite inapelável
feito pela mídia, e pela própria cultura popular, aos cidadãos despreparados,
para que estes se entreguem a essas fantasias, em poucos dias apenas, fazendo-os
se esquecerem de que muitas das conseqüências de atos esvaziados de sentido
acompanham-nos por toda a vida e para além da vida física também.
“Toda paixão que aproxima o homem da natureza
animal afasta-o da natureza espiritual” (5) sabemos.
Ora,
ninguém está privado de alegrar-se, de ser feliz, nem mesmo de buscar divertimento
na Terra.
Também
ninguém está proibido de celebrar belas datas, nem de festejar as alegrias que
lhe vão à alma, mas em tudo, e para tudo, há que se buscar o equilíbrio, o
discernimento e as melhores escolhas, para não se cair na vala comum da falta
de respeito, até para consigo mesmo, do desamor, da falta de moral e de ética.
De
tudo, busquemos o melhor, inclusive nas fontes de alegria, para que não nos
vejamos rebaixados à nossa mais ínfima condição animal, que ainda trazemos
conosco, quando poderíamos nos estar elevando, na busca real da nossa
destinação, que é sempre a Espiritualidade Maior.
Lembremos
que “o Espírito é o futuro e a vitória final, mas a carne é nosso próprio
passado, repleto de compromissos e tentações” (6).
Se
temos milenarmente errado, para que nos infligirmos mais erros, por meio das
tentações a que não sabemos se resistiremos, em meio a uma festa profana que,
de verdadeiro, nada nos traz?
Em
consonância, vale o conselho: “evita as águas revoltas dos destrambelhamentos,
das taras e da vulgaridade, para que não te afogues no desespero e te possas
elevar junto a quem amas, às cumeadas da paz interior” (7).
Melhor
buscarmos os bons sentimentos, oriundos do trabalho no bem e no esclarecimento
sincero, colaborando no processo de elevação da criatura humana, a partir da
nossa própria elevação, esta, por si só, já por demais custosa.
Publicado na Revista Internacional de Espiritismo - RIE, janeiro 2016
Referências:
1) Atrás
do Trio Elétrico.
Caetano Veloso. Disponível em https://letras.mus.br/caetano-veloso/43868/.
Acesso em 12 de novembro 2015.
2)
FRANCO,
Divaldo Pereira (pelo Espírito Manoel Philomeno de Miranda). Nas fronteiras da
loucura. Alvorada, 11ª edição. Salvador, BA. 2001, toda obra.
3)
TEIXEIRA,
José Raul (pelo Espírito Theresa BRITO). Vereda Familiar,
Fráter. 1ª edição. Niterói, RJ, 1991, p. 61.
4)
Lucas,
16:13, A Bíblia de Jerusalém, Edições Paulinas, São Paulo - SP.
5)
KARDEC,
Allan, O Livro dos Espíritos. FEB, 88ª edição. Rio de Janeiro, RJ, 2006, 3ª
parte, Cap. XII, Q. 908, p. 469.
6)
XAVIER,
Francisco Cândido; VIEIRA, Waldo (por Espíritos diversos). O Espírito da Verdade:
estudos e dissertações em torno de O Evangelho segundo o Espiritismo, de Allan
Kardec. FEB, 18ª. Edição. Brasília, 2013, p. 154.
7)
TEIXEIRA,
Raul (pelo Espírito Camilo). Minha família, o mundo e eu. Fráter, 1ª edição.
Niterói, RJ, 2011, p. 194.
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