sábado, 2 de janeiro de 2016

O CARNAVAL E AS ALEGRIAS

Warwick Mota

O carnaval é o período de festas e divertimentos compreendido entre o chamado dia de Reis e a intercessão católica denominada “Quaresma”. Corresponde, mais especificamente, aos três dias que precedem a quarta-feira de cinzas, com ocorrência nos meses de fevereiro ou março, a cada ano.

Interessante observar que alguns feriados eclesiásticos são calculados em função da data da Páscoa, que é celebrada no primeiro domingo após a primeira lua cheia, a partir de 21 de março. Assim é que a sexta-feira da Paixão é sempre a sexta-feira que antecede o Domingo de Páscoa, e o dia do “Corpo de Cristo”, o feriado de Corpus Christi, é comemorado 60 dias após a Páscoa.

Da mesma forma, o carnaval ocorre 47 dias antes da Páscoa, embora não se devesse, é certo, levando-se em consideração o tipo de festejo a que a data induz, associar o evento ao momento sublime da Páscoa cristã.

Historicamente, não existe consenso quanto às origens do carnaval. De acordo com alguns pesquisadores, as raízes históricas da festa remontam aos bacanais da antiga Roma. Para outros, a origem dos festejos é bem mais remota e relaciona-se a homenagens à deusa Ísis ou ao deus Osíris, no Antigo Egito.

Independentemente de sua origem, fato é que o carnaval já existia na Antiguidade clássica, e também na pré-clássica. Em Roma, o evento era ocasião para se comemorar a chamada saturnália, festa dedicada ao deus Saturno. Os festejos duravam quatro dias ou mais, quando os romanos não trabalhavam.

Essa festa, por fim, foi incorporada pela Igreja Católica, e, de acordo com a etimologia do termo, carnaval tem origem em carnelevamen, sendo, a palavra, posteriormente, modificada para se adaptar à expressão “carne, vale!”.

Carnelevamen é vocábulo que também pode ser interpretado como carnis levamen: “prazer da carne” – compondo uma espécie de último momento de alegria e festejos profanos, antes do período de recolhimento exigido pela Quaresma católica.

Fato é que o termo carnis levamen, entendido como o “prazer da carne”, traduz, de forma inconteste, o que representam os festejos carnavalescos.

É inexoravelmente o “prazer da carne” que conduz, todos os anos, legiões de encarnados e desencarnados a uma simbiose de grandes profusões, gerando comprometimentos de todos os gêneros e perpetuando remorsos e tramas incessantes, que se arrastam por encarnações sucessivas.

Na vida real, a alegria da canção “atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu” (1), em verdade, não se aplica, pois sabemos que, seguindo os desregramentos a que a turba desvairada permite-se, em meio aos festejos da data, há verdadeira massa de desencarnados, também buscando os mesmos prazeres e idênticas sensações fugidias e efêmeras.
Época de despautérios e excessos de toda ordem, que consubstanciam, do ponto de vista material, o crescimento de estatísticas nefandas, como aquelas relativas a agressões, à transmissão de doenças sexuais, ou, ainda ao consumo de álcool e entorpecentes, a festa segue também alavancando índices de mortes por acidentes no trânsito e pela violência urbana, sem distinção de classe social ou faixa etária.

Na obra “Nas Fronteiras da Loucura”, o Espírito Manoel Philomeno de Miranda (2) é quem apresenta, de maneira irretocável, os dramas obsessivos instalados, com suas respectivas conseqüências, a partir do cenário apresentado pelo carnaval brasileiro.

Em outra obra psicografada, esta por Raul Teixeira, o Espírito Teresa de Brito (3) também esclarece, acerca do tema:

“O imediatismo de Momo, os gozos das folias, as alegrias do carnaval, tudo isso se desvanecerá, como todo fogo fátuo, e deixará os que nele se locupletam nas valas da frustração e do arrependimento, mais cedo ou mais tarde.” 

A alegação às vezes proferida, de que o período carnavalesco tem por objetivo apenas extravasar, através da alegria, as dificuldades acumuladas, em verdade mostra-se bastante incoerente, pois, conforme nos ensinou Jesus: “Ninguém pode servir a dois senhores, porque, ou ele aborrecerá a um e amará ao outro; ou se afeiçoará a um e desprezará ao outro. Não podeis servir ao mesmo tempo a Deus e a Mamon” (4).

Pelos prazeres da carne, o homem priva-se da razão, colocando-se meramente em busca da satisfação das sensações.

E isso é absolutamente entristecedor, especialmente quando sabemos do convite inapelável feito pela mídia, e pela própria cultura popular, aos cidadãos despreparados, para que estes se entreguem a essas fantasias, em poucos dias apenas, fazendo-os se esquecerem de que muitas das conseqüências de atos esvaziados de sentido acompanham-nos por toda a vida e para além da vida física também.

 “Toda paixão que aproxima o homem da natureza animal afasta-o da natureza espiritual” (5) sabemos.

Ora, ninguém está privado de alegrar-se, de ser feliz, nem mesmo de buscar divertimento na Terra.

Também ninguém está proibido de celebrar belas datas, nem de festejar as alegrias que lhe vão à alma, mas em tudo, e para tudo, há que se buscar o equilíbrio, o discernimento e as melhores escolhas, para não se cair na vala comum da falta de respeito, até para consigo mesmo, do desamor, da falta de moral e de ética.

De tudo, busquemos o melhor, inclusive nas fontes de alegria, para que não nos vejamos rebaixados à nossa mais ínfima condição animal, que ainda trazemos conosco, quando poderíamos nos estar elevando, na busca real da nossa destinação, que é sempre a Espiritualidade Maior.

Lembremos que “o Espírito é o futuro e a vitória final, mas a carne é nosso próprio passado, repleto de compromissos e tentações” (6).

Se temos milenarmente errado, para que nos infligirmos mais erros, por meio das tentações a que não sabemos se resistiremos, em meio a uma festa profana que, de verdadeiro, nada nos traz?

Em consonância, vale o conselho: “evita as águas revoltas dos destrambelhamentos, das taras e da vulgaridade, para que não te afogues no desespero e te possas elevar junto a quem amas, às cumeadas da paz interior” (7).

Melhor buscarmos os bons sentimentos, oriundos do trabalho no bem e no esclarecimento sincero, colaborando no processo de elevação da criatura humana, a partir da nossa própria elevação, esta, por si só, já por demais custosa.

Publicado na Revista Internacional de Espiritismo - RIE, janeiro 2016 

Referências:
1)    Atrás do Trio Elétrico. Caetano Veloso. Disponível em https://letras.mus.br/caetano-veloso/43868/. Acesso em 12 de novembro 2015.

2)    FRANCO, Divaldo Pereira (pelo Espírito Manoel Philomeno de Miranda). Nas fronteiras da loucura. Alvorada, 11ª edição. Salvador, BA. 2001, toda obra.

3)    TEIXEIRA, José Raul (pelo Espírito Theresa BRITO). Vereda Familiar, Fráter. 1ª edição. Niterói, RJ, 1991, p. 61.

4)    Lucas, 16:13, A Bíblia de Jerusalém, Edições Paulinas, São Paulo - SP.

5)    KARDEC, Allan, O Livro dos Espíritos. FEB, 88ª edição. Rio de Janeiro, RJ, 2006, 3ª parte, Cap. XII, Q. 908, p. 469.

6)    XAVIER, Francisco Cândido; VIEIRA, Waldo (por Espíritos diversos). O Espírito da Verdade: estudos e dissertações em torno de O Evangelho segundo o Espiritismo, de Allan Kardec. FEB, 18ª. Edição. Brasília, 2013, p. 154.


7)    TEIXEIRA, Raul (pelo Espírito Camilo). Minha família, o mundo e eu. Fráter, 1ª edição. Niterói, RJ, 2011, p. 194.

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