Alerta-nos a trabalhadora
espírita Suely Caldas Schubert (1) que “É muito difícil, à pessoa que foi
acostumada a uma religião com rituais, despojar-se de todas essas práticas, ao
ingressar nas hostes espíritas.”
Embora a resistência de
alguns, precisamos tratar do tema “pureza doutrinária”, no âmbito do Movimento
Espírita, sobretudo no que se refere à prática dos cultos exteriores. É
exatamente isso que vamos pontuar.
No seio do
Movimento Espírita, o que seriam práticas exteriores?
Interessante observar que ao
longo das sucessivas reencarnações o homem traz para si, ou para os seus atos, uma
carga mítica muito intensa. E todo o processo da construção das religiões
tradicionais parte, inicialmente, da construção dos mitos.
Do alicerçar da mitologia,
partimos em nossa caminhada à cristalização das práticas que acompanham o
desenvolvimento emocional do homem.
E, inacreditavelmente, nos
dias de hoje, com toda a base científica de que dispomos, ainda vemos muitos
confrades querendo incluir certas práticas exteriores no âmbito da Doutrina
Espírita.
Obviamente que a preocupação,
aqui, não tem relação com o purismo doutrinário em si, mas com o resgate da
verdadeira pureza que todo crente deve observar, tão bem exemplificada na
passagem em que Jesus responde ao questionamento que lhe fora feito, acerca das
mãos não lavadas (2).
Na passagem citada, os
fariseus questionam o Mestre por que seus discípulos, antes de se sentarem à
mesa, não haviam respeitado o preceito judaico que lhes ordenava lavarem as
mãos, fazendo, em função desse clichê, veemente cobrança.
Retruca-lhes então Jesus, devolvendo
o questionamento correto:
– Por que violais, vós outros,
os mandamentos?
Referia-se o Mestre ao fato de
que a verdadeira pureza não consiste em lavar as mãos, mas em ter o coração
puro, íntegro, sincero.
Como sempre, Jesus realça o sentimento.
Em “Sementeira de
Fraternidade”, Vianna de Carvalho (3) já nos alertava para as adulterações a
que a Doutrina dos Espíritos muitas vezes se vê submetida, no dia a dia da
prática menos esclarecida.
Ora, um dos pressupostos básicos da
Doutrina Espírita é não ter prática ritualística, nem culto exterior, nem
sacerdote, nem formalismos de espécie alguma. É religião, sim, por nos religar
à Divindade, mas prescinde do culto externo.
Com a Doutrina Espírita, não
mais idolatria, nem totens, nem mitos, nem algares, nem incenso que, afinal de
contas, não passam de formas materialistas a se imiscuírem no terreno da
religiosidade.
O Espiritismo, na forma pulcra
com que o recebemos do insigne Codificador, chegou-nos em função do próprio processo
de amadurecimento do entendimento humano, ocorrido ao longo dos séculos.
Somente nos foi enviado quando nossa racionalidade assim o permitiu, quando
saímos da infância espiritual, porque, até então, para tudo admitíamos o
castigo, a punição, sem compreendermos a liberdade de escolher e de colher os
frutos das próprias escolhas, boas ou más.
Quando “o mal chegara ao
cúmulo” (4), eis que Jesus nos envia o Consolador, consoante outrora prometido.
No passado, com a força dos
dogmas, era como se os ritos purificassem o homem. Hoje já entendemos que é o
esforço da caminhada no Bem que nos purifica.
A Doutrina Espírita vem
exatamente esclarecer que não necessitamos de comportamentos ritualísticos,
visto que postula a fé raciocinada, permite a análise do simples ao complexo,
do geral ao particular, da lógica pura e simples, de acordo com os pressupostos
kardequianos, na compilação dos elementos doutrinários.
Em datas cristãs,
especialmente na Semana Santa; em ritos de passagem, como no nascimento de
filhos, na morte de alguém ou nos esponsais de amigos, por que temos tanta dificuldade
em nos livrar dos costumes cristalizados?
Por que ficarmos presos aos
fenômenos?
Que façamos nossas reflexões,
mas não nos comportemos mais como se em outros cultos estivéssemos.
Somos espíritas e não necessitamos de comportamentos artificiais, presos
a dogmas e a práticas externas. Embora a nossa memória extracerebral guarde esses
comportamentos atávicos, o Espiritismo os dispensa totalmente, considerando-se
que nos basta a essência dos ensinamentos de Jesus, o espírito, que vivifica.
É o Mestre quem nos ensina que
sacrifício agradável ao Senhor é realmente o da superação das mazelas íntimas, na
busca do perdão, da reparação das faltas cometidas, da reconciliação com o
adversário (5). Esta, sim, a verdadeira prática.
Há muita gente que ainda deixa
um livro aberto em casa, geralmente uma Bíblia ou uma obra de Allan Kardec, como
se isso fosse proteger sua residência.
Entretanto, para que o
Evangelho de Jesus faça sentido em nossas vidas, seja uma luz em nossas casas,
precisa é ser praticado, e não
deixado meramente aberto...
Ora, se cremos em Deus, na
Espiritualidade que nos protege e em nossa capacidade de discernir o Bem, por
que lançar mão de rituais? Estejamos atentos: Espiritismo é questão de fundo,
não de forma.
Precisamos realçar a pureza da
nossa Doutrina, abrindo mão de concessões, tão ao gosto de outras denominações
religiosas.
Afinal, já sabemos que toda
mudança acontece de dentro para fora, inclusive a educação. Só a modificação
íntima, a que operamos na nossa intimidade, é verdadeira, porque isenta dos
artificialismos da falsa virtude.
Publicado no Reformador de Maio 2017
Referências:
1)
FEB.
Reformador. Práticas Exteriores. Março de 2005, p. 18. Disponível em http://www.sistemas.febnet.org.br/acervo/revistas/2005/WebSearch/page.php?pagina=41. Acesso em 15 de março
de 2016.
2) Mateus,
15: 1 - 20
3) Vianna de Carvalho, citado por Júlio César
de Sá Roriz. FEB. Reformador. O Espírita perante o Espiritismo. Dezembro de 1981,
p. 17. Disponível em http://www.sistemas.febnet.org.br/acervo/revistas/1981/WebSearch/page.php?pagina=361. Acesso em 26 de março
de 2016.
4) KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo.
131ª. ed. Brasília, FEB, 2013, p. 245.
5) KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o
Espiritismo. 131ª. ed. Brasília, FEB, 2013, p. 143.
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