sexta-feira, 12 de maio de 2017

PRÁTICAS EXTERIORES

Por Warwick Mota


Alerta-nos a trabalhadora espírita Suely Caldas Schubert (1) que “É muito difícil, à pessoa que foi acostumada a uma religião com rituais, despojar-se de todas essas práticas, ao ingressar nas hostes espíritas.”

Embora a resistência de alguns, precisamos tratar do tema “pureza doutrinária”, no âmbito do Movimento Espírita, sobretudo no que se refere à prática dos cultos exteriores. É exatamente isso que vamos pontuar.

            No seio do Movimento Espírita, o que seriam práticas exteriores?
Interessante observar que ao longo das sucessivas reencarnações o homem traz para si, ou para os seus atos, uma carga mítica muito intensa. E todo o processo da construção das religiões tradicionais parte, inicialmente, da construção dos mitos.
Do alicerçar da mitologia, partimos em nossa caminhada à cristalização das práticas que acompanham o desenvolvimento emocional do homem.
E, inacreditavelmente, nos dias de hoje, com toda a base científica de que dispomos, ainda vemos muitos confrades querendo incluir certas práticas exteriores no âmbito da Doutrina Espírita.
Obviamente que a preocupação, aqui, não tem relação com o purismo doutrinário em si, mas com o resgate da verdadeira pureza que todo crente deve observar, tão bem exemplificada na passagem em que Jesus responde ao questionamento que lhe fora feito, acerca das mãos não lavadas (2).  
Na passagem citada, os fariseus questionam o Mestre por que seus discípulos, antes de se sentarem à mesa, não haviam respeitado o preceito judaico que lhes ordenava lavarem as mãos, fazendo, em função desse clichê, veemente cobrança.
Retruca-lhes então Jesus, devolvendo o questionamento correto:
– Por que violais, vós outros, os mandamentos?
Referia-se o Mestre ao fato de que a verdadeira pureza não consiste em lavar as mãos, mas em ter o coração puro, íntegro, sincero.
Como sempre, Jesus realça o sentimento.
Em “Sementeira de Fraternidade”, Vianna de Carvalho (3) já nos alertava para as adulterações a que a Doutrina dos Espíritos muitas vezes se vê submetida, no dia a dia da prática menos esclarecida.
            Ora, um dos pressupostos básicos da Doutrina Espírita é não ter prática ritualística, nem culto exterior, nem sacerdote, nem formalismos de espécie alguma. É religião, sim, por nos religar à Divindade, mas prescinde do culto externo.
Com a Doutrina Espírita, não mais idolatria, nem totens, nem mitos, nem algares, nem incenso que, afinal de contas, não passam de formas materialistas a se imiscuírem no terreno da religiosidade.
O Espiritismo, na forma pulcra com que o recebemos do insigne Codificador, chegou-nos em função do próprio processo de amadurecimento do entendimento humano, ocorrido ao longo dos séculos. Somente nos foi enviado quando nossa racionalidade assim o permitiu, quando saímos da infância espiritual, porque, até então, para tudo admitíamos o castigo, a punição, sem compreendermos a liberdade de escolher e de colher os frutos das próprias escolhas, boas ou más.
Quando “o mal chegara ao cúmulo” (4), eis que Jesus nos envia o Consolador, consoante outrora prometido.
No passado, com a força dos dogmas, era como se os ritos purificassem o homem. Hoje já entendemos que é o esforço da caminhada no Bem que nos purifica.
A Doutrina Espírita vem exatamente esclarecer que não necessitamos de comportamentos ritualísticos, visto que postula a fé raciocinada, permite a análise do simples ao complexo, do geral ao particular, da lógica pura e simples, de acordo com os pressupostos kardequianos, na compilação dos elementos doutrinários.
Em datas cristãs, especialmente na Semana Santa; em ritos de passagem, como no nascimento de filhos, na morte de alguém ou nos esponsais de amigos, por que temos tanta dificuldade em nos livrar dos costumes cristalizados?
Por que ficarmos presos aos fenômenos?
Que façamos nossas reflexões, mas não nos comportemos mais como se em outros cultos estivéssemos.
Somos espíritas e não necessitamos de comportamentos artificiais, presos a dogmas e a práticas externas. Embora a nossa memória extracerebral guarde esses comportamentos atávicos, o Espiritismo os dispensa totalmente, considerando-se que nos basta a essência dos ensinamentos de Jesus, o espírito, que vivifica.
É o Mestre quem nos ensina que sacrifício agradável ao Senhor é realmente o da superação das mazelas íntimas, na busca do perdão, da reparação das faltas cometidas, da reconciliação com o adversário (5). Esta, sim, a verdadeira prática.
Há muita gente que ainda deixa um livro aberto em casa, geralmente uma Bíblia ou uma obra de Allan Kardec, como se isso fosse proteger sua residência.
Entretanto, para que o Evangelho de Jesus faça sentido em nossas vidas, seja uma luz em nossas casas, precisa é ser praticado, e não deixado meramente aberto...
Ora, se cremos em Deus, na Espiritualidade que nos protege e em nossa capacidade de discernir o Bem, por que lançar mão de rituais? Estejamos atentos: Espiritismo é questão de fundo, não de forma.
Precisamos realçar a pureza da nossa Doutrina, abrindo mão de concessões, tão ao gosto de outras denominações religiosas.
Afinal, já sabemos que toda mudança acontece de dentro para fora, inclusive a educação. Só a modificação íntima, a que operamos na nossa intimidade, é verdadeira, porque isenta dos artificialismos da falsa virtude.

Publicado no Reformador de Maio 2017

Referências:
1)  FEB. Reformador. Práticas Exteriores. Março de 2005, p. 18. Disponível em http://www.sistemas.febnet.org.br/acervo/revistas/2005/WebSearch/page.php?pagina=41. Acesso em 15 de março de 2016.
2) Mateus, 15: 1 - 20
3) Vianna de Carvalho, citado por Júlio César de Sá Roriz. FEB. Reformador. O Espírita perante o Espiritismo. Dezembro de 1981, p. 17. Disponível em  http://www.sistemas.febnet.org.br/acervo/revistas/1981/WebSearch/page.php?pagina=361. Acesso em 26 de março de 2016.
4) KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. 131ª. ed. Brasília, FEB, 2013, p. 245.
5) KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. 131ª. ed. Brasília, FEB, 2013, p. 143.
 

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